quinta-feira, 19 de julho de 2012

O Dia do Basta


  Você acorda como em qualquer outro dia, se veste da mesma forma mecânica e só percebe quando já botou o pé pra fora de casa: “Ah não! Mais um dia desses!”. Já é tarde demais pra encontrar uma desculpa para ficar em casa e, poxa vida, você não é mais nenhuma criança, tenha coragem!
  Ok, você sai de casa determinado a enfrentar o dia, ignorando o grito preso que acordou em sua garganta, até encontrar a primeira pessoa. A primeira pessoa que encontrares pode te trazer algum motivo pelo qual valha a pena ter fé nas pessoas, mas, como sabemos, a vida às vezes apronta com a gente, e justamente nesse dia, vai colocar na tua frente, logo pela manhã, alguém que realmente acredita que está agradando contando sobre como demorou pra decidir o que vestir naquela manhã, o que não te incomodaria em um dia comum, mas hoje incomoda. Incomoda muito.
  Você então, como alguém civilizado, bebe um gole d’água , tentando empurrar um pouco mais aquele grito na garganta, dá um sorriso amarelo e finge se importar. Pronto. A partir daí, nada vai ser legal nesse dia. Começará a pensar em coisas profundas e vai julgar tudo fútil demais; todos fúteis demais; você mesmo, fútil demais. “A vida é mais que isso, a vida é muito mais que isso” repetirá pra si mesmo, até dar de cara numa parede que diz “Meu filho, sinto muito, nem sempre a vida é muito mais do que isso”.
  Como faz pra voltar para aquele tempo que só era preciso ligar pra mamãe pra ela te buscar na escola e te levar direto para baixo das suas cobertas quentinhas? Ah, pois é, você mesmo nem viu que já tinha passado. Então cuide de si mesmo. Passe o resto do dia respirando fundo, muuuito fundo, concordando com a cabeça e cuidando para não ser indelicado com quem não te fez mal nenhum. Limite-se a justificar seu estado apenas com “pois é, não estou em um bom dia” e FAÇA O FAVOR de não entrar em nenhuma rede social ou abrir uma revista de fofocas.
  Não se julgue por repetir diariamente a si mesmo toda aquela coisa de “não desista, o mundo vale a pena, tenha coragem, persista”, mas também não tente esse mantra hoje. Hoje não vai funcionar. Feche a cara, feche a boca e não incomode ninguém com seu grito entalado: ninguém deve sofrer porque você acordou enxergando tudo com “outros olhos”.
Agora, aqui chega o ponto em que se separam os espertos do restante. Alguém esperto vai chegar em casa quase se arrastando por conta do dia pesado, tomar um banho quente e ficar quietinho refletindo sobre tudo que esse dia mostrou. Alguém estúpido vai chegar em casa chutando a porta gritando para quem quiser ouvir, listando toda a merda que aconteceu no seu dia como se isso o desse o direito de tratar mal quem não tem culpa nenhuma.
  O estúpido tentará chamar atenção, tendo absoluta certeza de que merece a pena de todos porque teve um dia ruim. Chamará o dia de bosta e irá dormir emburrado esperando que, magicamente o outro dia nasça bom e feliz. O esperto detestou o dia tanto quanto o estúpido, mas este percebe que ele mostrou coisas que os dias coloridos escondem e, secretamente, vai agradecer por ter sido desse jeito. Irá dormir com seus conceitos pessoais reformulados e, no outro dia, continuará vendo tudo diferente, mas ele achará isso muito bom.


Letícia Gedrat