O trem havia saído da estação há
pouco tempo e o rapaz sentado voltado para mim no banco da frente tira da
mochila um exemplar de bolso da Bíblia e começa a ler. Era jovem, com um
pingente de cruz no pescoço e usava uma camiseta onde estava escrito um
versículo que falava sobre amor ao próximo e, logo abaixo, o nome de alguma
instituição cristã de caridade.
Em meio ao barulho estridente,
cheiro de borracha e sacudidas, o trem para novamente e entra uma senhorinha
que senta ao lado do moço. A mulher carrega apenas uma pequena bolsa de moedas,
imagino, e tem uma expressão carregada de tensão, tristeza e preocupação. O trem
segue e ela aperta fortemente os olhos, junta as mãos e sussurra para si uma
oração, onde sibila inúmeras vezes as palavras ”por favor”.
A cena é intensa e apavorante: alguém
que se preocupa com o próximo e um “próximo” sentado bem ao seu lado sem que
ele perceba. Depois de sussurrar “amém”, a senhora permanece de olhos fechados
até que o alto-falante anuncie a estação onde irá descer. Ela se vai e o garoto
permanece em sua leitura com a tranquilidade de um monge tibetano, em uma
viagem distante, com uma expressão de satisfação por estar enchendo sua alma
com as palavras bíblicas.
Chega a minha estação e desço
atordoada. A visão humana é medíocre. Aquele menino parecia ser a pessoa certa
para oferecer algum consolo para a senhora, por que ele não pôde ver que ela
estava bem ao seu lado? Ela era o próximo naquele momento! O próximo que ele
aparentemente estava pronto para ajudar! Não sabendo se considero o menino
culpado ou não, cego ou não, sou interrompida pelo meu próprio pensamento: e
quem estava sentado do meu lado?
É fácil ver o problema de longe.
Tão fácil e tão viciante analisar e resolver mentalmente o problema dos outros
que nos esquecemos de perceber se estamos cometendo os mesmos erros. Ajudar o
próximo é sempre uma questão complicada, porque precisamos identificá-lo
primeiro. Realmente não acho que o trem seja o local apropriado para sair dando
uma de profeta, se intrometendo e aconselhando desconhecidos nos seus problemas
pessoais, mas pensando na viagem da vida, é fundamental que prestemos atenção
em cada novo passageiro que entra em nosso vagão e façamos o que estiver ao alcance
para que, quando chegar sua estação final, ele saia melhor do que entrou.
Fácil seria se pudesse se formar
uma fila, onde bastaria pedir “venha o próximo” para que surgisse aquele que
precisa da sua ajuda, mas não é assim. A cada nova estação surgem novas
pessoas, novas histórias e novos problemas, assim como as fases da vida, e
precisamos estar preparados para lidar com isso. Vale lembrar que a ação de
ajudar não é um cálculo de adição, onde no final se contabiliza os que somaram
mais pontos, mas trata-se de proporção: o quanto você podia fazer e o quanto
fez. E se não puder ajudar, se não puder olhar a sua volta para ver o que está
errado, não atrapalhe. Não saia por aí anunciando o erro dos outros sem antes
olhar para si mesmo. Propague o que tiver de bom para oferecer. Se não tiver
nada, não se manifeste. Se você não foi capaz de olhar quem estava ao seu lado,
não julgue quem também não o fez, aprenda com o erro dos outros.
Letícia Gedrat
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